Vão longe os tempos de ouro da indústria automobilística britânica, e não há muitos sinais de recuperação no horizonte. Em maio de 2025, a fabricação local de veículos registrou o pior resultado para o mês desde 1949 (com exceção de 2020, marcado pela pandemia). Em números absolutos, a produção voltou aos patamares de 76 anos atrás (!), época do Ford Prefect, do Austin A40 e do Morris Oxford.
Segundo dados da SMMT (Society of Motor Manufacturers and Traders, a Anfavea britânica), a fabricação de carros de passeio no país caiu 31,5% em maio, com 47.723 unidades. O tombo foi ainda maior na produção de veículos comerciais, que despencou 53,6%, com apenas 2.087 unidades no mês.
25
Fonte: Jason Vogel
Somando tudo, menos de 50 mil veículos — entre carros, comerciais leves, caminhões e ônibus — saíram das linhas de montagem no Reino Unido em maio, o quinto mês consecutivo de queda (para comparação, o Brasil fabricou 214 mil unidades no mesmo período).
No acumulado de 2025, a produção britânica já caiu 12,9% em relação ao mesmo período de 2024, totalizando 348.226 unidades — o menor volume em sete décadas. No ano passado, o Reino Unido ficou em 19º lugar no ranking de fabricação de veículos, atrás de países como Turquia (12º), Indonésia (14º), Irã (15º) e França (18º), mas ainda bem à frente da Itália (22º).

A Toyota faz os Corolla em Burnaston
Foto de: Jason Vogel
Parte dessa queda está relacionada às tarifas extras impostas pelos Estados Unidos. Em março, o governo norte-americano passou a cobrar uma tarifa adicional de 25% na importação de veículos britânicos, o que reduziu imediatamente a demanda. Como consequência, as exportações do Reino Unido para os EUA caíram 55%. Logo após o anúncio da tarifa, marcas como a Jaguar Land Rover chegaram a suspender temporariamente os embarques para os EUA.
Apesar do impacto negativo, um novo acordo entre os dois países permite agora a exportação de até 100 mil veículos britânicos por ano com tarifa reduzida de 10% — ainda bem acima dos 2,5% anteriores, mas suficiente para reacender o otimismo. A Aston Martin, por exemplo, confirmou que retomará os envios aos EUA após uma pausa de três meses.

Em Solihull, restam os Range Rover
Foto de: Jason Vogel
Já as exportações para os países da União Europeia, principal destino dos carros britânicos, recuaram 22,5%. As vendas para China e Turquia caíram 11,5% e 51%, respectivamente. Ainda assim, 78,5% da produção automobilística britânica hoje é destinada à exportação — o que indica uma queda da demanda por produtos locais no mercado interno. Entre nacionais e importados, 1,95 milhão de carros de passeio novos foram registrados no Reino Unido em 2024.
Hoje, a maior fabricante no país não é uma marca britânica, mas a Nissan, com destaque para os modelos Qashqai e Juke. Agora, prepara a linha para produzir a terceira geração do Leaf. Apesar da liderança, a companhia pretende fazer em breve cortes de pessoal em sua fábrica de Sunderland, a 450 km de Londres.

Nissan Qashqai – líder entre os modelos fabricados no Reino Unido
Foto de: Jason Vogel
Temos ainda a Toyota em Burnaston, a 210 km da capital, que fabrica o Corolla nas versões hatch e Touring Sports (uma “estate”, como se diz por lá). Há ainda a promessa de produção local do furioso GR Corolla.
Entre as inglesas natas, quem ainda mantém um bom volume de produção é a Mini. Desde 2000 sob controle da alemã BMW, a marca continua operando em sua centenária fábrica de Oxford — a mesma de onde saíam os Morris Minor e Oxford, tão comuns nas ruas brasileiras na década de 50. E é nessa linha que os Mini são produzidos desde 1959.

Mini, desde sempre na fábrica de Oxford
Foto de: Jason Vogel
No grupo Jaguar Land Rover, as coisas andam estranhas, com boas vendas dos Range Rover (feitos em Solihull, a 185 km de Londres), mas a Jaguar parada, enquanto aguarda uma repaginação de sua imagem. E, sim: o Defender hoje é fabricado na Eslováquia…
A Bentley (hoje da Volkswagen AG) produz uns 10 mil carros por ano em Crewe. A Rolls-Royce (da BMW) faz metade disso em Goodwood. Há fabricantes de produção ainda mais limitada. A ortodoxa Morgan constrói, em Malvern, 850 carros por ano com carrocerias moldadas na base do martelinho e montadas em estruturas de madeira. Já a Caterham, dos Super 7, inaugurou uma fábrica em Dartford, o que elevou sua capacidade de 500 para 750 carros anuais.

Já não há mais produção de Jaguar em Solihull
Foto de: Jason Vogel

Foto de: Jason Vogel
A Ford, que já foi uma gigante industrial no país, com modelos marcantes como Anglia, Prefect, Consul, Zephyr, Thames, Cortina, Capri, Transit, Escort, Ka e Mondeo, não faz qualquer automóvel na Inglaterra desde 2013. Hoje, o que resta de sua centenária fábrica de Dagenham é uma linha de produção de motores.
E não podemos esquecer do black cab, o tradicional táxi londrino. O atual modelo TX é elétrico, feito pela London Electric Vehicle Company (LEVC), que pertence ao grupo chinês Geely. Da fábrica em Coventry, saem em média 2 mil táxis e vans por ano.

LEVC TX – o black cab elétrico
Foto de: Jason Vogel
Brexit
Desde o referendo do Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) em 2016, a produção britânica de veículos sofreu um declínio acentuado. Naquele ano, o país produziu cerca de 1,7 milhão de veículos (carros de passeio e comerciais leves), mas esse número caiu para 779 mil unidades em 2024.
A saída da União Europeia causou atrasos logísticos, aumento de custos e incertezas regulatórias — especialmente com as regras de origem do acordo pós-Brexit, que exigem uma proporção mínima de componentes fabricados localmente. É algo difícil de cumprir, sobretudo na produção de veículos elétricos, cujas baterias são em grande parte importadas da China. Além disso, a ameaça de tarifas de até 10% sobre exportações para a UE preocupa montadoras como Stellantis, Nissan e Jaguar Land Rover, que avaliam redirecionar investimentos e produção para outros países.

Vauxhall Vivaro – fim da fábrica m Luton após 120 anos
Foto de: Jason Vogel
Fábrica da Vauxhall fechada
Um símbolo recente da desindustrialização britânica foi o fechamento da fábrica da Stellantis em Luton, 55 km ao norte de Londres. A unidade, que produzia as vans Vauxhall Vivaro a diesel (muito populares no Reino Unido), teve suas atividades encerradas no último 28 de março, após 120 anos de operação, resultando na demissão de aproximadamente 1.200 trabalhadores.
A fábrica foi inaugurada em 1905 pela Vauxhall, na época uma marca de automóveis independente. A Vauxhall foi adquirida pela General Motors em 1925, e a unidade de Luton continuou a todo vapor, produzindo também os veículos comerciais Bedford.

A fábrica da Vauxhall em Luton (1939)
Foto de: Jason Vogel
Na Segunda Guerra, uniu-se ao esforço bélico projetando e construindo os tanques Churchill A22, além de caminhões militares. No pós-guerra, retomou a fabricação de carros Vauxhall e caminhões Bedford, muitos deles exportados para o Brasil.
A produção dos carros de passeio da Vauxhall em Luton foi encerrada com o Vectra, em 2002, mas os furgões e vans Vauxhall Vivaro, Renault Trafic e Nissan Interstar continuaram a ser montados por lá.

Vectra – o último carro de passeio da Vauxhall feito em Luton, em 2002
Foto de: Jason Vogel
A PSA comprou a Vauxhall em 2017 e, quatro anos depois, todas as marcas do grupo foram incorporadas à Stellantis. Hoje em sua terceira geração, a Vauxhall Vivaro é gêmea das Citroën Jumpy, Peugeot Expert e Fiat Scudo. Apesar de um anúncio inicial promissor, que indicava a transformação de Luton em polo para vans elétricas de médio porte, o impacto contínuo do Brexit pesou na decisão.
Em novembro de 2024, a Stellantis confirmou o fechamento da unidade e a concentração da produção britânica de veículos comerciais na antiga fábrica do Vauxhall Astra em Ellesmere Port, convertida exclusivamente para a fabricação de vans elétricas. O terreno da antiga fábrica da Vauxhall em Luton foi adquirido por um grupo imobiliário que planeja erguer um complexo comercial no local.

A Vauxhall Vivaro já não é feita em Luton
Foto de: Jason Vogel
Apesar de todos os desafios, a SMMT vê sinais de recuperação no horizonte. Mike Hawes, presidente da entidade, afirmou que os novos acordos comerciais com mercados estratégicos, como os EUA, e uma relação mais construtiva com a União Europeia devem ajudar a reverter o cenário.
“Este tem sido um ano extremamente desafiador para a produção automotiva britânica, mas já há sinais positivos. Estratégias industriais claras e acordos comerciais que valorizem o setor podem ser a chave para a retomada”, disse Hawes em entrevista ao jornal The Times.